28 setembro, 2005


Penso muitas vezes que se não existissem certas músicas o mundo seria muito mais escuro, mais vazio. Esta é uma delas. Cantada pelo Camané, claro!



Mais um fado no fado

Letra: Júlio de Sousa Música: Carlos da Maia

Eu sei que esperas por mim
Como sempre, como dantes
Nos braços da
madrugada...
Eu sei que em nós não há fim,
Somos eternos amantes,
Que não amaram mais nada.
Eu sei que me querem bem,
Eu sei que há
outros amores
Para bordar no meu peito.
Mas eu não vejo ninguém,
Porque não quero mais dores
Nem mais baton no meu leito.
Nem beijos
que não são teus,
Nem perfumes duvidosos,
Nem carícias perturbantes,
E nem infernos nem céus,
Nem sol nos dias chuvosos,
Porque inda
somos amantes.
Mas Deus quer mais sofrimento,
Quer mais rugas no meu
rosto
E o meu corpo mais quebrado...
Mais requintado tormento,
Mais
velhice, mais desgosto,
E mais um fado no fado.

25 setembro, 2005

FILIPE LA FÉRIA: Quando um homem sonha...

Ontem vi uma entrevista ao La Féria na televisão. E lembrei-me do dia em que o entrevistei, há dois anos atrás. Foi uma experiência muito interessante. Lembro-me de que senti algum receio. Pois toda a gente me dizia: vais entrevistar aquele mau feitio? Mas lembro-me também de que esse senhor foi simplesmente fantástico comigo, de uma simpatia extrema. Nunca irei esquecer esse dia. Tenho a certeza.
Ás vezes tenho tantas saudades de escrever reportagens e perfis... Pode ser que um dia volte ao jornalismo...


Era uma vez um menino que brincava no quintal da avó aos teatros, na Aldeia Nova de S. Bento. Escrevia peças, montava cenários com as velhas caixas de sapatos, era encenador e representava. A história podia começar assim, como num conto. Afinal, foi esse poder de criação que o levou para o mundo do teatro. Escritor, encenador, cenógrafo, dramaturgo, actor e empresário, Filipe La Féria construiu um percurso de vida que hoje, aos 58 anos, o torna um mito do teatro português.


A cortina de veludo bourdeaux do Politeama eleva-se ao céu, acompanhando o ritmo da música. O espectáculo Minha Linda Senhora termina. Agora, os actores esperam, uns sentados comodamente no palco, outros encostados aos cenários, pelas indicações do encenador e do seu assistente. Filipe La Féria bate as últimas palmas e dirige-se para o palco: “Tens de olhar mais para ela. Observa-a!”, aconselha ao actor Nuno Guerreiro, que desempenha o papel de Professor Higgins. Depois, exemplifica ele próprio e pede aos actores para repetirem a cena enquanto, de braços cruzados e de olhos atentos, estuda os pormenores dos movimentos e da postura de Nuno Guerreiro. Meia hora bastou para corrigir os erros, no ensaio geral, de onde Filipe La Féria saiu satisfeito. Minha Linda Senhora, em cena desde Dezembro do ano passado, conta já com mais de 100 mil espectadores.
“O meu sonho era ser encenador, era fazer espectáculos. Mais do que ser actor”, revela La Féria com um intenso olhar, no seu escritório, no primeiro andar do Politeama, virado para a Rua das Portas de S. Antão. Um gabinete arejado, luminoso, com uma mesa de reuniões e uma secretária, em cima da qual tem emoldurado um grande retrato, a preto e branco, de Amália.
Desde criança que a imaginação lhe permitia entrar noutros mundos. Fazia peças na sua terra natal, no Alentejo, nas quais desempenhava todas as funções possíveis, desde escritor a cenógrafo. A mudança para Lisboa aproximava-o do mundo do espectáculo mas, nos anos 60, havia um grande preconceito em relação aos artistas e, por isso, teve de enfrentar a sua família, que “ nada tinha a ver com o teatro”. Hoje essa situação é inversa, na perspectiva de Filipe La Féria. Agora, “os pais empurram os filhos para a televisão para irem fazer figuras tristes”. No entanto, foi pela mão do actor Raúl de Carvalho, amigo do pai, que se estreou no Teatro Nacional D. Maria II. Tinha apenas 16 anos quando pisou o palco pela primeira vez na Companhia de Amélia Rey Colaço. A partir daí a sua vida foi sempre para o palco.
“Trabalhei muito”, orgulha-se o homem de cabelo branco, sorridente, de voz rouca e arrastada, que se vai acomodando no cadeirão de pele, em frente à secretária. Mesmo quando ganhou uma Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para ir estudar teatro para Londres. Trabalhou como empregado de mesa num restaurante de luxo em plena Kings Road, porque a bolsa não chegava para sobreviver. Foi lá que Carlos Avillez o foi buscar. Para que La Féria fosse substituir Mário Viegas, que tinha sido preso. A peça estreava dentro de dois dias em Paris e era necessário “um actor em que ele tivesse confiança e que, num espaço de um dia ou de dois, fizesse o papel”. Depois disso regressou a Londres mas os convites para trabalhar em Portugal iam chegando e as saudades da família e dos amigos fizeram com que Filipe La Féria voltasse para Lisboa. Mas hoje não faria o mesmo e fala nos tempos em que passou em Inglaterra com grande nostalgia: “Arrependo-me de não ter ficado lá. Porque, embora eu não domine bem o inglês, eles acharam que podia fazer uma carreira como encenador. Eles, os professores ingleses, que sempre acreditaram no sucesso de La Féria.
Voltou para Portugal e passou por várias companhias de Teatro: Teatro Estúdio de Lisboa, Teatro Experimental de Cascais, Casa da Comédia e Teatro da Cornucópia. Em 1993, foi a vez de remodelar o Teatro Politeama, a sua segunda casa.
Mas teria ficado em Londres porque Inglaterra é um país bastante organizado, onde é fácil viver. “É um país que gosta tanto de teatro como nós gostamos de futebol, não é?”, solta uma gargalhada sarcástica. Filipe La Féria é um homem bem humorado, espontâneo, amável, que revela nos gestos e no olhar uma constante inquietação.
“Os ingleses gostam muito de si mesmos, da sua história e só o povo que goste muito da sua história é que gosta de teatro”. Pois, para La Féria, “o teatro é a representação da história”.
Teria ficado em Inglaterra porque está triste com o sistema em que o seu país está afundado. Disso já toda a gente sabe. O encenador foi sempre muito frontal nas suas intervenções públicas acerca da política cultural adoptada pelos governos PS e PSD. “Não sou nada politicamente correcto. Mas um artista nunca pode ser politicamente correcto, senão não é artista”, confessa Filipe La Féria que, enquanto gesticula com as mãos, esboça um sorriso. “Sou tão crítico do mundo porque quero melhorá-lo, quero transformá-lo... o artista é o homem que transforma as coisas!”. À medida que vai soltando as palavras, junta as mãos e encosta-as ao queixo, como se implorasse para que o deixassem mudar o mundo.
Filipe La Féria considera-se, antes, “criticamente correcto”, uma vez que julga ter a obrigação de mostrar às pessoas o estado em que o teatro e o próprio país estão. “Vivemos agora numa grande crise de cultura, de identidade. O Teatro Nacional está preeminentemente fechado, não há um Teatro Nacional de Ópera...”, diz o encenador, revoltado. Atribui as responsabilidades ao Estado que, segundo La Féria, “não nasceu nem para artista nem para empresário”. Aliás, as polémicas acerca da política de atribuição dos subsídios estão intimamente ligadas a este homem das artes. Desde a peça Rosa Tatuada (1999) que não lhe são atribuídos subsídios porque tem bastante sucesso, argumento que o deixa pasmado: “O ter muito público em Portugal é pejorativo. Isso é completamente absurdo”, comenta, abanando a cabeça. Defende ainda que o Estado deveria ajudar na parte estrutural dos teatros, nos investimentos das próprias salas bem como na sua protecção (para que não fossem destruídas). Essa ajuda seria fundamental, agora, que comprou o Olympia. “Gasta-se tudo e fica-se a dever mais”, argumenta, levantando o sobrolho ao mesmo tempo que solta um suspiro.
Projectos tem muitos. Desde criar uma Escola de Teatro e de Dança a levar Shakespeare a palco. Televisão já experimentou várias vezes, mas a Sétima Arte é ainda um sonho: “Gostava muito de fazer cinema, como actor ou como realizador”.
Enquanto fala, Filipe La Féria vai rabiscando uma folha branca. Desenha uma espécie de escadas. Talvez aquelas que o levaram ao êxito. “ Do que eu gosto é de começar numa folha assim, completamente branca, e depois saber que dali vai nascer um espectáculo”, revela, entusiasmado. É à vida, às memórias e à análise do quotidiano que Filipe La Féria vai buscar inspiração para os seus espectáculos. É assim que nas folhas vão nascendo corpos, vozes, ritmos, cheiros... preparados para subirem aos palcos!

23 setembro, 2005

"Marcas de Sangue", a não perder!


Já há muito tempo que uma peça de teatro não me prendia tanto à cadeira. "Marcas de Sangue" é a prova de que em Portugal se sabe fazer teatro. E muito bem.
A produção da Escola de Mulheres leva a palco do Teatro da Comuna um texto Judy Upton (encenado por Isabel Medina) que explora temas muito fortes como a solidão e a violência.
É numa residencial, perdida à beira da praia, que cinco personagens vão fazer as suas escolhas (quando podem) num clima tenso e violento. A solidão é o pano de fundo da peça e a angústia passa garantidamente para o público. A complexidade das relações entre as personagens que procuram desesperadamente um caminho para a felicidade, vai-se adensando ao longo da peça. A busca pelo amor e as ilusões e desilusões que ela implica marcam a encruzilhada da vida de cada uma destas personagens.
É de realçar a magnífica interpretação de Albano Jerónimo, Leonor Seixas, José Wallenstein, São José Correia e de Lucinda Loureiro.
A não perder!
Lembro-me de ti. SECRETAMENTE


Passo por ti
Tu nem me vês
Só mais um dia... Amanhã talvez
E fico à
espera
De ver em ti
O sentimento... Que trago dentro de mim
Mas
eu
so posso imaginar
O que podia ser
Se eu te pudesse abraçar
Se
eu te
pudesse ter
Secretamente à espera de um gesto, de um sinal
Secretamente
tentando saber se dás por mim, afinal
Secretamente à
procura de um toque, de
um olhar
Secretamente tentando saber..
Se
algum dia os nossos mundos se
irão cruzar
Qual o caminho
Que irá
dar, a esse teu mundo
Onde eu
queria entrar.
E tantas vezes, eu já
sorri
Só por lembrar-me
Só por
pensar em ti
E eu só posso
imaginar
O que podia ser
Se eu te pudesse
abraçar
Se eu te
pudesse ter..
Secretamente à espera de um gesto, de um
sinal
Secretamente tentando saber se dás por mim afinal
Secretamente à
procura de um toque, de um olhar
Secretamente tentando saber
Se
algum
dia os nossos mundos se irão cruzar...

(Rita Guerra)

Life goes easy on me all most the time

Há dias em que de repente me dou conta como sou feliz. E só me apetece dizer isso bem alto a toda a gente. A estrelinha tem andado comigo... Ás vezes nem sei bem o que é que faço para ter tanta sorte...
Sabe bem ser feliz e darmo-nos conta disso.

19 setembro, 2005

Paper Bag

Tenho andado a ouvir muito esta música.

(Fiona Apple)

I was staring at the sky, just looking for a star
To pray on, or wish on, or
something like that
I was having a sweet fix of a daydream of a boy
Whose reality I knew, was a hopeless to be had
But then the dove of hope
began its downward slope
And I believed for a moment that my chances
Were approaching to be grabbed
But as it came down near, so did a weary
tear-
I thought it was a bird, but it was just a paper bag-
Hunger
hurts, and I want him so bad, oh it kills
Cuz I know I'm a mess he don't
wanna clean upI got to fold cuz these hands are too shaky to hold
-Hunger
hurts, but starving works,
When it costs too much to loveAnd I went crazy
again today,
Looking for a strand to climbLooking for a little hopeBaby said
he couldn't stay, wouldn't put his lips to mine,
And a fail to kiss is a
fail to copeI said, "Honey, I don't feel so good, don't feel justified
Come
on put a little love here in my void," - he said"It's all in your head," and I
said, "So's everything" -But he didn't get it - I thought he was a manBut he was
just a little boy-
Hunger hurts, and I want him so bad, oh it killsCuz I
know I'm a mess he don't wanna clean upI got to fold cuz these hands are too
shaky to hold-
Hunger hurts, but starving works,
When it costs too much
to love-Hunger hurts, and I want him so bad, oh it killsCuz I know I'm a mess he
don't wanna clean upI got to fold cuz these hands are too shaky to hold-
Hunger hurts, but starving works,When it costs too much to love

18 setembro, 2005

REENCONTRO


Cheguei à falésia. Olhei em meu redor. Não vi ninguém. Não ouvi ninguém. Só as ondas do mar e o vento que, lá ao fundo, levantava a areia. Sentei-me no banco corrido de madeira. E pensei: quantas pessoas já terão estado aqui sentadas? Quantas paixões foram aqui desvendadas? Quantos relacionamentos foram aqui terminados? Quanta saudade foi aqui sentida? E solidão... Porque é que o mar ateia as paixões e acalma o sofrimento? Parece que o leva na maré e que se vai perdendo na ondas, devagarinho.
Olhei para a praia e respirei fundo. Bem fundo. Como eu gosto de estar ali... Mesmo que não seja para atear a paixão nem para atirar o sofrimento às ondas... Refugio-me ali quando tenho de tomar decisões. E gosto de estar ali porque me sinto bem. Porque uma imensa calma me invade o corpo e a mente. Sim. Não é apenas uma sensação psicológica. É também física. Muito física. Tirei o livro da mala e reli a contra-capa: "Quando alguém se cruza no nosso caminho traz sempre uma mensagem para nós. Encontros fortuitos são coisa que não existe. Mas o modo como respondemos a esses encontros determina se estamos à altura de receber a mensagem". Olhei novamente para o mar e pensei: porque é que estou aqui sozinha?
Fui ali para me reencontrar. Às vezes também precisamos disso.
"Às vezes temos de fechar os olhos para conseguir ver"
Não me vou esquecer disso, Raquel.
FIOS DE OVOS
A brisa do fim de tarde começava a soprar suavemente enquanto eu metia mais uma garfada à boca de fios-de-ovos com canela, lá na esplanada da praia. Lembrei-me de ti e dos deliciosos fios-de-ovos que me trazias nas frias e pálidas manhãs de Dezembro, quando vinhas passar férias comigo. Era uma espécie de ritual que só a nós pertencia. Era um momento só nosso. Entravas devagarinho para não me acordares e levavas nas mãos uma pequena caixinha de cartão apertada com um cordel amarelo. Guardava-la como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. E com certeza que o era e sempre o será. Atiravas o pesado sobretudo para cima da cadeira e subias as escadas, em silêncio, com a caixinha na mão. Davas-me um beijo na testa e dizias que aquele era o dia mais feliz da tua vida porque me tinhas a mim nos braços e um outro tesouro nas mãos. E eu acreditava. Acreditava que o mês de Dezembro era a época mais feliz da tua vida. Todos os dias eram mágicos.
Descíamos as escadas e sentávamo-nos perto da lareira a saborear aquela iguaria tão doce que dava um sentido especial aos momentos em que estávamos juntos. Ficávamos a manhã inteira na sala, aquecidos pelo ambiente que nos rodeava. O tempo ia passando e nós tínhamos parado precisamente naquela hora, naquele minuto e naquele segundo. Por vezes adormecíamos no tapete macio, enrolados na manta de xadrez que a minha mãe me tinha oferecido no aniversário, a ouvir baixinho músicas do Caetano Veloso, “o único homem que sabe o que é música”, dizias carinhosamente.
Acordávamos com um sorriso nos lábios e ficávamos a olhar um para o outro. Ao nosso lado, permanecia a caixinha. Agora vazia, amachucada, esquecida. Desprovida de qualquer significado.
Meto outra garfada à boca e certifico-me de que realmente os fios-de-ovos deixaram de ter sabor. Estão amargos e sem brilho, perdidos nesta pequena taça que os tenta embalar. Estão tão vazios de significado como a caixinha no final de todas as manhãs de Dezembro.
Acredito, agora, que só consigo sentir aquela doçura quando estou perto de ti. Na tua ausência, os fios-de-ovos são apenas uma sobremesa como outra qualquer que não me aguça o paladar.