«Trova do Vento que Passa»
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoa
Levam sonhos deixam mágoa
sai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos direitos
Vi florir os verdes ramos direitos
e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem dos rios
Vi minha pátria na margem dos rios
que vão pró mar como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir (minha pátria à flor das águas)
Vi navios a partir (minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir (verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
as mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce
E a noite cresce
por dentro dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre