Ontem estivemos a falar sobre a sorte que tivemos na infância, sobre o sabor da liberdade saudável que acompanhou o nosso crescimento.
O tempo era nosso e andava devagar, como o sopro quente dos dias de Verão. Eu cresci a brincar na rua. Quando chegava da escola queria despachar os trabalhos de casa para ir ter com os meus amigos. Andávamos de bicicleta, desenhávamos a cirumba e a macaca com pedras de cal no alcatrão, fazíamos gincanas e íamos para o pinhal lanchar - eram os nossos piqueniques. Se estivesse a chover as tropas reuniam na casa de um de nós e era a tarde toda na galhofa.
Aguardávamos ansiosos pelas férias de Verão – aqueles dias quentes e longos permitiam-nos estar na rua à noite. A escuridão do céu tornava o jogo das escondidas mais emocionante. Sujávamos a roupa, caíamos no chão, brincávamos na terra, rasgávamos as calças… e sim, ficávamos doentes de vez em quando, mas éramos felizes e desenrascados (tínhamos de ser, naquela altura não havia telemóveis).
Lembro-me de fazer sopas de água com farinha e cascas de cenoura que fingia dar às bonecas. A minha avó ajudava-me a prepará-las. Nessa altura os avós tinham tempo para brincar e tomar conta dos netos. Agora têm de trabalhar até ao momento em que alguém vai ter de tomar conta deles.
A velocidade do tempo, a rapidez e a facilidade com que a informação nos chega acaba por nos esmagar. As solicitações não acabam.
Hoje a maioria das crianças/adolescentes considera que os amigos que tem são aqueles quinhentos que pertencem à lista das redes sociais. Hoje é mais fácil comunicar através da Internet do que encontrarmos um dia compatível para nos reunirmos com os amigos. Hoje os pais têm pouco tempo para estar com os filhos e quando chegam a casa é natural que os queiram compensar pela ausência e tornam-se exageradamente permissivos. O tempo escorrega-nos entre os dedos. Eu sei que a vida devia ser feita de prioridades mas o ritmo dos ponteiros do relógio submete-nos a uma ditadura à qual é difícil escapar. É assustador…