14 dezembro, 2008

"Os ossos partem-se. Os orgãos rebentam. A carne rasga."

In "Anatomia de Grey"

11 dezembro, 2008

Quem conta um conto acrescenta um ponto...


Foi esse o desafio lançado pela revista Actua. Nesta edição fui convidada a acrescentar "um ponto" ao conto da edição anterior. Aqui vai:



O despertador tocou num tom grave, violento, estridente, quase ameaçador. Os raios de sol entravam timidamente pelo picotado das portadas majestosas de ferro verde. Uma mão engelhada empurrou o despertador para fora da mesa-de-cabeceira de verga, fazendo com que se calasse. O estrondo que a queda do relógio provocou arrancou Hércules - um cão de porte pequeno, rafeiro, com orelhas compridas e pêlo manchado de negro, que fazia lembrar uma vaca - da cama fofa forrada por uma manta de xadrez vermelho, em fazenda. Maria acordou com a língua áspera de Hércules a passar-lhe pelo rosto, em movimentos bruscos. A cauda do cão chicoteava alegremente os braços de Maria. Depois de abrir os olhos cumprimentou Hércules com festas e beijos no focinho peludo. Vestiu o roupão de lã cor de framboesa e lavou a cara na casa de banho ao fundo do corredor. Caminhou até à cozinha, em passos preguiçosos e arrastados, e pôs a água ao lume, para fazer um chá de cidreira. Sentia-se só, mais só do que nunca. No peito ecoava um vazio sufocante. Olhava em redor e a angústia da solidão deixava-a deprimida. Aos quarenta anos sobrava-lhe a companhia de Hércules, o único que nunca a desiludira, que nunca a traíra, que nunca a abandonara. Tirou o púcaro do lume e viu a sua imagem reflectida no inox envelhecido. O cabelo estava desalinhado, o castanho-escuro mesclado de um tom chocolate estava a perder terreno para os fios brancos rebeldes, que rompiam desordenadamente pela raiz. Os olhos estavam baços e pareciam mais pequenos. Os dentes outrora de uma brancura imaculada ganharam manchas, provavelmente um efeito da nicotina acumulada nos últimos anos. O sorriso tinha-se evaporado, como as lágrimas que lhe acabaram por secar a alma. Maria nem se lembrava do último dia em que as lágrimas lhe desceram do rosto, a pique. Simplesmente já não conseguia chorar. Preparou a infusão de cidreira fresca e deixou-se cair na cadeira estilizada. Trincou quatro biscoitos de canela e acendeu um cigarro. Hércules tinha-se aninhado nas pantufas felpudas de Maria. Pegou no jornal do dia anterior, cuja capa apresentava em destaque uma enorme fotografia de Obama, o recém-eleito Presidente dos Estados Unidos da América. Ele esboçava um sorriso contagiante. Por cima da fotografia de Obama uma frase ocupava a largura do jornal: Chegou a hora de mudar. Maria fixou os olhos naquela frase, palavra a palavra, durante dois minutos. Ouviu a sua voz interior repeti-la centenas de vezes. Sentia um calor a invadir-lhe o corpo. Não sabia se era um dos efeitos do chá ou se era outra coisa qualquer. Depois abriu o jornal exactamente na página dos classificados. Deslizou o dedo indicador pela página como se procurasse um número de telefone nas Páginas Amarelas. Prendeu-lhe a atenção um anúncio que tinha um fundo verde brilhante. Um fundo de esperança. Maria abriu uma gaveta junto ao fogão e pegou na tesoura de arranjar peixe. Com todo o cuidado recordou o anúncio. Dobrou-o e guardou-o no bolso das calças do pijama. Hércules ladrava numa histeria incompreensível. Seguia os passos da dona, transformando-se na própria sombra dela. Depois de tomar um duche bem quente, Maria vestiu uns jeans claros, uma camisola de gola alta justa, preta, que lhe fazia sobressair o volumoso peito. Olhou-se ao espelho e percebeu que estava viva. Escovou o cabelo e prendeu-o com força num elástico. Maquilhou-se de uma forma suave e discreta e envolveu-se numa chuva miudinha de perfume francês. Calçou as botas de cano alto e tirou do armário o casaco de fazenda. Hércules dava saltos, piruetas, parecia um cão de circo. Maria embrulhou-se no casaco e numa écharpe vermelha. Ia deitar o maço de cigarros no lixo mas resolveu guardar dois dentro da mala preta. O resto voou direitinho para o balde de metal que se apoiava num canto da cozinha. O telemóvel de Maria tocou. Ela olhou para o visor e ignorou a chamada, despreocupada. Fez uma festa a Hércules e despediu-se dele com um “até já”. Fechou a porta com segurança. O vento soprava sobre os cabelos de Maria. A temperatura na rua estava fria. O termómetro junto aos semáforos marcava 7 graus. A calçada era longa e o caminho ainda maior. Os saltos das botas de Maria de vez em quando ficavam presos nos defeitos da calçada. Os passos apressados corriam contra o tempo. A lembrança doce confundia-se com o aroma a bolos acabados de sair do forno da pastelaria central. A música que lhe entrava pelos ouvidos era aquela que nunca tinha chegado a sair. A frase. A frase mágica: Chegou a hora de mudar. Chegou a hora de mudar. A sinfonia das palavras provocava um sorriso discreto na expressão de Maria. Ele vinha distraído, a falar ao telemóvel. Levava debaixo do braço vários jornais e revistas. Exaltava-se a cada palavra. Negócios, provavelmente. Preocupações, problemas. De certeza. Era alto, moreno, com os olhos escuros mas brilhantes. Os seus lábios eram perfeitamente desenhados. O cabelo tinha o tom de avelã. Usava uma samarra azul-escura, de fazenda. O cachecol bege enrolava no pescoço e caía sobre a samarra. As calças de bombazina castanhas estavam-lhe largas. Ele não tinha mais de trinta anos. Maria tinha ascendido à lua e parecia flutuar no universo. Ele estava preso à terra, demasiado preso até. Caminhava rapidamente pela calçada íngreme. Um carro buzinou e ele fixou o olhar naquele trânsito infernal enquanto continuava a discutir ao telefone. Maria deu um passo em falso e o tacão das botas prendeu-se numa folga entre duas pedras da calçada. Quando se preparava para avançar, ele deparou-se com Maria ali mesmo à sua frente. Não deram um encontrão porque ele resolveu apoiar-se num candeeiro. Mas escorregaram-lhe todos os jornais, que foram direitinhos para o chão. Houve um que caiu mesmo aos pés de Maria. Era igual ao que ela tinha em casa. Ficaram os dois a olhar para Obama a sorrir. Tinha chegado a hora de mudar.


02 dezembro, 2008

Amália - trailer do filme

ESTOU CURIOSA...

Ter tempo é :

Relaxar. Passear. Estar com as pessoas de quem gostamos mais vezes, sem olhar para o relógio. Ler. Devorar séries. Ver filmes. Ouvir música. Lanches e jantares intermináveis. Dormir. Pensar e repensar. Ter ideias. Escrever. Observar. Recordar. Descobrir. Ter tempo é viver.

Caetano Veloso - Cucurrucucu Paloma

Caetano. Almodovar. Uma música linda num filme perfeito. Foi esta versão que me fez comprar este fim-de-semana a banda sonora dos filmes do realizador espanhol. O tema é arrepiante!

Em tempo de crise um fim-de-semana prolongado significa:


- excursões a centros comerciais;

- caixas multibanco sem dinheiro;

- viagens para a Europa esgotadas;

- ir a correr para a Serra da Estrela brincar com a neve, mesmo com as estradas intransitáveis (afinal o preço da gasolina está mais baixo);

Alternativa: ir ao Congresso do PCP;

A primeira ecografia
Vi-o enroscadinho, aninhado, com as mãozinhas a esconder a cara. Dez semanas, quatro centímetros e um coração a palpitar a toda a velocidade. É incrível como a vida vai ganhando força dentro de uma barriga. É incrível o poder da primeira imagem, a sedução, a conquista, o amor que me agarrou de imediato ao meu/minha sobrinho/a. Uma vida que nasce de outras, a extensão de duas pessoas que eu adoro: a minha irmã e o meu cunhado.
Nunca mais chega Junho...

01 dezembro, 2008

Chegou a minha ÉPOCA FAVORITA!








18 novembro, 2008

Querido PAI NATAL:
Este ano portei-me tão bem...




As Time Goes By

17 novembro, 2008


Seminário STORY, com Robert Mckee...

Podia começar por dizer que foi intenso e cansativo. Afinal três dias enfiada no auditório da ESCS desde as 9h00 às 20h30 é... DIFÍCIL e DESCONFORTÁVEL (houve momentos em que pensei estar dentro de um avião na classe económica, sentada numa daquelas cadeirinhas que parecem de cimento e onde pura e simplesmente os movimentos dos membros inferiores é proibido). Logo eu, que descobri há pouco tempo que a minha perna esquerda tem insuficiência venosa... enfim!Tudo pelo Mr. Mckee! A verdade é que o senhor percebe mesmo como criar uma história para cinema, televisão ou literatura. Escusava era de ser tão arrogante e de se assumir como o SENHOR-TODO-O-PODEROSO do guionismo. Mas o guru de Hollywood também tem qualidades extra teóricas: é um óptimo show man e tem sentido de humor. Sabe exactamente como cativar o público. Esse é, sem dúvida, o seu grande desafio: conseguir que as pessoas se mantenham tantas horas a ouvi-lo.
Fui para lá de espírito aberto, queria absorver ao máximo o que aquele senhor tem para ensinar. Tem muito. Pelo menos a mim, que só estou na área há quase cinco anos. Recordei algumas regras que no dia-a-dia tento aplicar ao meu trabalho e aprendi outras tantas.
Acho que o curso é um complemento da leitura da obra-prima do senhor, sinceramente. É pena ser caro. Se fosse mais acessível tenho a certeza de que havia mais gente na sala. Ainda assim, vi pessoas que nunca imaginei que tivessem interesse em fazer aquele curso. Só revela que têm humildade para aprender, apesar da carreira que já construíram.
Fiquei a pensar que as boas histórias podem levar-nos bem longe. Basta ter uma ideia genial e saber contá-la. Saber escrevê-la muitíssimo bem. Humanidade e qualidade é o que o público exige! A nossa história é para o mundo, diz o senhor Mckee. "O sonho comanda a vida", não é?! Nunca se sabe...
Apesar do cansaço valeu a pena! Valeu muito a pena! Se Mckee vier novamente a Portugal com outro curso e se eu tiver possibilidade de o pagar... lá estarei!

03 novembro, 2008

Finalmente posso publicar uma grande notícia: VOU SER TIA! Daquelas bem babadas!
Estou TÃO feliz! A ervilhinha ainda nem o tamanho de uma formiga tem mas já sinto um amor por ela inexplicável. A minha irmã e o Francisco estão muito felizes, ansiosos por verem a barriga crescer. Tal como eu!
Tive o feeling de que a minha irmã estava grávida e de facto acertei! Dois dias depois das minhas suspeitas o teste deu positivo e as análises confirmaram! E acho que é uma menina... Daqui a uns meses logo se verá. Agora o mais importante é que corra tudo muito bem. E vai correr! :)))

"Não sentimos saudades das pessoas que amamos. Do que sentimos saudades é da parte de nós que levam com elas".
(Lucía Etxebarría, in "Amor, Curiosidade, Prozac e Dúvidas)

Soa um pouco a egoísmo mas acho que é verdade. Temos saudades daquilo que as pessoas nos fazem sentir quando estamos com elas.

15 outubro, 2008


QUE SAUDADES...
Falta garra na selecção nacional. Os jogos estão uma seca. Os resultados piores do que nunca. Não temos equipa, apenas jogadores (óptimos, por sinal). Falta estratégia e falta um treinador que grite, que puxe por eles, que se emocione, que puxe pelo público.
É por estas e por outras que continuo a adorar o Scolari. Digam o que disserem.



09 outubro, 2008

Antonio Zambujo

Roberta Sá - Ensaio - A Vizinha do Lado

Lembra de mim | Ivan Lins

Uma noite inesquecível
Motivos profissionais levaram-me à Gala Luso-Brasileira no Casino Estoril. Fiquei nos bastidores para entrevistar algumas pessoas cujo contributo pudesse dar ainda mais força ao projecto.
Tive a sorte de me cruzar com um dos gigantes da música brasileira. Provavelmente o meu músico preferido - Ivan Lins. Senti-me uma adolescente quando o vi. Surpreendeu-me a sua timidez. Tinha ideia que era humilde e pude confirmar. Afinal a humildade faz parte das grandes pessoas. Foi com ternura que me respondeu às perguntas que lhe coloquei. Reforçou que é apaixonado por Portugal, adora Lisboa: as ruas, as casas, as janelas. A sensibilidade com que me respondeu é a mesma que Ivan oferece à sua arte. É emotivo. Apaixonado. Transparente. Exactamente como as músicas que compõe e canta. No final, não resisti a tirar uma fotografia com ele e a ficar com um autógrafo, que está guardado religiosamente.
Consegui falar um pouco com um senhor do fado: Carlos do Carmo, que cantou no mesmo palco com Ivan Lins. É extremamente bem disposto, com um sentido de humor apurado. Fiquei rendida.
Outros dois cantores que quero salientar é Roberta Sá e António Zambujo. Conhecia apenas uma música da cantora brasileira mas a verdade é que para mim era uma voz sem rosto, até à passada terça-feira. Uma jovem com um sorriso aberto, com uma voz cristalina (que me faz lembrar a da Mariza Monte). Fala da música com paixão, com garra. Talvez a mesma que a levou a conquistar um lugar ao sol num mercado onde a concorrência asfixia. Roberta Sá é uma lutadora, que acredita na sua força e no poder do espírito solidário, da união. É doce, doce, doce. Rendeu-se à voz de António Zambujo, um fadista cuja voz se veste de um ritmo que lembra Bossa Nova. Têm trabalhado juntos e o resultado é perfeito!
Depois da gala houve um jantar com algumas pessoas em Cascais. Foi num simpático e acolhedor restaurante japonês que estivemos a conviver até de madrugada. De repente, estavam onze pessoas reunidas que tinham uma coisa em comum: a boa energia. Entre músicos, agentes, produtores, apresentadores de televisão e amigos a boa disposição imperou - a par de sakés e vinho tinto. Música improvisada, risos, abraços, cumplicidades que se criaram num espaço de horas. De repente, apercebi-me de que estava no meio de artistas que passeiam dentro do porta-luvas do meu carro, em CDs. Estavam ali a sorrir, a cantar, a conversar. Não consegui deixar de pensar: realmente a simplicidade, a genuinidade, e a humildade levam as pessoas bem longe. Ah, e a boa energia também! Fundamental!
AVÓ
OUTRA VEZ. O cheiro a hospital. A álcool e a comida de cantina. A desinfectante e a doença. O sofrimento. A esperança. A ESPERANÇA QUE ATÉ NO HOSPITAL É A ÚLTIMA A MORRER.