14 outubro, 2006

Encontrar.
Foi impossível encontrarmo-nos. Há tanta gente. O mundo é tão grande. Os nossos caminhos são tão difícieis. Tudo está contra nós. Foi impossível encontrarmo-nos. Mas encontrámo-nos. Pela primeira vez. Contra as vezes que estivemos longe de nos conhecermos. E contra as vezesem que nos cruzámos sem nos vermos; se é que alguma vez nos cruzámos. O que interessa isso agora? Contra todos os contras, encontrámo-nos.
"Um dia hei-de encontrar..." assim começam quase todos os sonhos de amor e esperanças de amizade. Quem assim sonha, já está meio derrotado, já está meio desiludido, porque, em vez de esperar pelo encontro que deseja, já está a procurar. Imaginando parcialmente a pessoa que quer encontrar, como se ela já existisse, com as medidas que o coração encomendou, está a fechar-se em si mesmo. E assim se fecha também ao mundo.
Um encontro só pode ser puro e pleno quando é livre e inesperado. Não pode ser condicionado por expectativas. Tem de começar do nada. A pessoa que se encontra tem de ser desconhecida para, a pouco e pouco, se poder conhecer e amar. O encontro de duas pessoas só se torna um encontro de almas se ambas estiverem abertas uma para a outra. Mesmo o maior amor não impede as almas contrárias de se magoarem. É por isso que têm de se conhecer profundamente; para se aceitarem como são, sem exigirem uma à outra o que não têm, nem são, nem querem vir a ser. Duas almas só se dão em amor quando uma e outra aceitam tudo o que a outra lhes dá. Incluindo o que não querem.
O amor é um perpétuo encontro, em que cada encontro quer ser o último; aquele que nunca mais separará os amantes, mas depois não vai além de ser a continuação, pequenina, mas querida do primeiro.
Em cada encontro as almas têm de procurar, sobretudo conhecer-se.
Encontrar é, ao mesmo tempo, juntar e opor, abraçar e empurrar. As contrariedades são essenciais- à curiosidade, à atracção ao desejo (por mais espúrio que seja) de superá-las. É através delas, as diferenças, que se estabelece a distância entre um e outro, sem a qual não pode haver amor. Quem ama alguém ama por quem é.
O amor não é um fim nem um meio - é uma condição. É por isso que o verbo amar é o que mais se parece com encontrar.
(Miguel Esteves Cardoso)
Gosto muito desta crónica. Encontrar é muito mais difícil do que procurar!

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