17 abril, 2006

Acabei de ler um livro da Sara. Chama-se "Frio". Um livro que me entusiasmou desde a primeira à última página. Maravilhosamente bem escrito. Foi uma pena aquela editora ter falido... As páginas estão repletas de sensações, de verdades, de mentiras, de medos... É a dimensão humana observada à lupa. O homem. E a mulher. No seu melhor e no seu pior. Com veracidade. Não consegui resistir a deixar aqui um excerto do livro. Sobre as coisas que ficam por dizer. E são tantas...
"A omnisciência é uma coisa fantástica. E frustrante, também, pelo que tem de impotente. Ver ou saber tudo sem poder nada fazer não é melhor que sobreviver na escuridão total. As pessoas têm esta tendência estúpida de se encerrarem nos seus próprios medos, nas suas crenças, nas suas suposições. Mas se nem elas próprias sabem ao certo aquilo que pensam ou sentem, como podem ter a pretensão de querer saber ao certo aquilo que pensam ou sabem as outras pessoas? Perde-se tanto tempo a imaginar o que se não disse... às vezes porque não se conseguiu dizer, outras porque não se quis ouvir, mas sempre por uma cobardia estúpida que não é mais do que uma gradessíssima perda de tempo. O que são segredos? São medos, vergonhas, pudores imbecis. Não basta haver no reino da linguagem palavras que não se podem ou não se devem pelo menos usar, como ainda se inventam assuntos sobre os quais as pessoas preferem não falar. Que vantagem tem não se dizer o que se pensa? que vantagem tem não exigir aos outros que digam o que pensam? Não vejo vantagem nenhuma. Mesmo quando se diz o que o outro não quer ouvir, mesmo quando se ouve o que não se queria ter ouvido dizer, tudo é melhor a nada ter sido dito ou escutado. A verdade pode ser cruel, mas pior do que ela é a ignorância, a fantasia, é acreditar porque se acha que sim, é desistir porque se acha que não, em acções hipoteticamente cegas que só o são porque não sei nem ninguém sabe porquê. E foi talvez o erro mais grave que Deus cometeu quando criou o Homem. Deu-lhe a capacidade da insinceridade. Sa mentira, da representação, do fingimento. Do silêncio. Deu-lhe a faculdade de separar a linguagem do pensamento, a acção da razão, e o dever do querer. Complicou-nos a vida nas suas santas intenções. Não era mau que as pessoas não dissessem o que pensam, desde que não fossem capaz de mostrar exactamente o contrário. Não me espanta por isso que o grau de misantropia que atingimos. Quem pode estar seguro daquilo que o outro pensa, se todos nós nos habituámos a dissimular aquilo que pensamos?"

1 comentário:

Tita Xana disse...

Kika, vê este blog, acho que vais gostar
http://my-love-life.blogspot.com/
beijinho,
Tita