18 setembro, 2005

FIOS DE OVOS
A brisa do fim de tarde começava a soprar suavemente enquanto eu metia mais uma garfada à boca de fios-de-ovos com canela, lá na esplanada da praia. Lembrei-me de ti e dos deliciosos fios-de-ovos que me trazias nas frias e pálidas manhãs de Dezembro, quando vinhas passar férias comigo. Era uma espécie de ritual que só a nós pertencia. Era um momento só nosso. Entravas devagarinho para não me acordares e levavas nas mãos uma pequena caixinha de cartão apertada com um cordel amarelo. Guardava-la como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. E com certeza que o era e sempre o será. Atiravas o pesado sobretudo para cima da cadeira e subias as escadas, em silêncio, com a caixinha na mão. Davas-me um beijo na testa e dizias que aquele era o dia mais feliz da tua vida porque me tinhas a mim nos braços e um outro tesouro nas mãos. E eu acreditava. Acreditava que o mês de Dezembro era a época mais feliz da tua vida. Todos os dias eram mágicos.
Descíamos as escadas e sentávamo-nos perto da lareira a saborear aquela iguaria tão doce que dava um sentido especial aos momentos em que estávamos juntos. Ficávamos a manhã inteira na sala, aquecidos pelo ambiente que nos rodeava. O tempo ia passando e nós tínhamos parado precisamente naquela hora, naquele minuto e naquele segundo. Por vezes adormecíamos no tapete macio, enrolados na manta de xadrez que a minha mãe me tinha oferecido no aniversário, a ouvir baixinho músicas do Caetano Veloso, “o único homem que sabe o que é música”, dizias carinhosamente.
Acordávamos com um sorriso nos lábios e ficávamos a olhar um para o outro. Ao nosso lado, permanecia a caixinha. Agora vazia, amachucada, esquecida. Desprovida de qualquer significado.
Meto outra garfada à boca e certifico-me de que realmente os fios-de-ovos deixaram de ter sabor. Estão amargos e sem brilho, perdidos nesta pequena taça que os tenta embalar. Estão tão vazios de significado como a caixinha no final de todas as manhãs de Dezembro.
Acredito, agora, que só consigo sentir aquela doçura quando estou perto de ti. Na tua ausência, os fios-de-ovos são apenas uma sobremesa como outra qualquer que não me aguça o paladar.

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